domingo, 22 de maio de 2011

Texto para elaborar Mapa Conceitual

Interdisciplinaridade e divergência

Virginia Machado

O bombardeio de impressões, de relatos e de teorias acerca da interdisciplinaridade deixa “desconfiado” qualquer educador que viva o chão do cotidiano escolar ou acadêmico. Ao se apresentar os conceitos relacionados à interdisciplinaridade na formação de professores, estes já levantam as suspeitas sobre a validade de tal metodologia, pois vivenciam a fragmentação no cotidiano universitário. Seus cursos ainda são estruturados em disciplinas, difíceis de se forçar conexões, em sua maioria, apesar da boa vontade de alguns estudantes.

Os argumentos em favor da interdisciplinaridade são bem convincentes e chegam a fazer vários adeptos dessa idéia. Admitir que o pensamento disciplinar (positivista) ajudou a fragmentar o conhecimento e que por isso hoje temos dificuldade de ver as coisas conectadas, interligadas, tem sido tarefa relativamente fácil. A flexibilidade que encontramos nos licenciandos e mesmo naqueles professores que buscam a continuidade dos estudos é muito boa em nível de aceitabilidade destas idéias. No entanto, quando propomos a prática vemos que o salto qualitativo ainda precisa ser dado.

Por que isto é tão difícil? Alguns pensadores diriam que isto está relacionado à cultura individualista produzida pelo sistema econômico vigente. Este geriu a divisão social do trabalho, incentivando a proliferação de especialistas. O especialista, levado a cuidar de sua tarefa (objeto de estudo/trabalho), cria um elo de dependência com a introspecção para valorização de sua produção (resultados). A rotina desta dependência definiu a vida das pessoas gerando uma sociedade individualista.

Poderíamos dizer que o individualismo se perpetua pela visão disciplinar e vice-versa, ou seja, produz elos de realimentação difíceis de serem quebrados. Adicionaríamos ainda a esta visão o que outros pensadores diriam a respeito das relações de poder. Estas relações são concorrentes das relações econômicas (capital/trabalho) tornando as relações humanas ainda mais complicadas e complexas. A vida privada e a vida pública dos indivíduos são tramadas em redes cada vez mais complexas, que produzem dilemas cada vez mais próximos das relações interpessoais. Quando pensamos, por exemplo, na vida pessoal e na vida no trabalho fica cada vez mais difícil separá-las, não é mesmo?

Apensar de pretender isolar estas duas vidas, não conseguimos, porque o que acontece no trabalho tem influencia direta em nossas vidas pessoais. Daí que tudo o que acontece no mundo do trabalho e na sociedade como um todo nos diz respeito pessoalmente. Há um consenso público sobre a idéia de que se precisa vencer o individualismo nesta sociedade que classifica as competências humanas e sociais para excluir os desclassificados. Mas como vencer o individualismo no nosso trabalho – o meio acadêmico e escolar – , se cada um se sente sozinho e carrega temores de confiar no outro para trabalhar junto? Seria possível se falar em trabalho criativo neste contexto? Como vencer o individualismo se as pessoas têm medo do diálogo ou desconhecem que o diálogo pressupõe duas ou mais lógicas, de preferência divergentes?

É muito comum percebermos equívocos conceituais até mesmo sobre a teorização da interdisciplinaridade, já que esta propõe a intersubjetividade. Ao se afirmar que a “inter” propõe diálogos entre disciplinas que têm os mesmos objetivos conceituais sobre determinado problema, visando o consenso, é preciso entender que a busca de consenso é válida, mas nem sempre isto será possível. Da mesma forma, nem sempre as questões precisam ser concluídas no tempo que estabelecemos. Devemos lembrar que somos transitórios e inconclusos por natureza. É importante saber se haverá aprendizado na divergência. Costumo dizer que este equívoco – da exclusão da divergência – é fatal para a realização de trabalho criativo e para a produção de conhecimento pertinente, pois a divergência também pode ser complementar.

É preciso que se aprenda a lidar com as divergências. E isto diz respeito a uma re-volta e uma revolução introspectiva, a uma transformação da maneira de ser de cada um que tenha pretensão de verdade, isto é, de busca da verdade sobre si mesmo e sobre o mundo. Os saltos de qualidade na maneira de pensar, sentir e agir depende desta introspecção, onde se vislumbre a interdisciplinaridade como mais um argumento para se buscar uma vida mais integrada com a natureza humana, pois dela dependem outras naturezas.

[Publicado no Jornal Agora, em 04/08/2006]

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